Ocorreu na tarde da última sexta-feira
(29 /04) a 13ª edição do Seminário de Seguridade Social e Trabalho, promovido
pelo Grupo de Estudos Seguridade Social e Trabalho (GESTO) da UFRN. O tema do
evento foi “Capitalismo, democracia e direitos sociais: contextos, diagnósticos
e tendências”, com ideias, debates e reflexões desenvolvidas através de quatro
palestras.
O
auditório do NEPSA foi tomado por alunos de diversos cursos da universidade, em
especial discentes de Direito, Serviço Social e Filosofia. Com o grande
objetivo de fazer emergir diversas questões polêmicas, para se conseguir
estabelecer um raciocínio crítico sobre elas, o Seminário findou por
ultrapassar sua própria previsão de horário de término, contando com uma
plateia ainda ávida por esclarecimentos e discussões.
Para
concretização da inscrição, os participantes deveriam levar um pacote de
fraldas geriátricas ou uma lata de leite em pó, a serem doadas para uma
instituição de longa permanência de idosos, algo que já é tradição do evento. O
Instituto Juvino Barreto, entidade escolhida desta vez, recebeu quase uma
centena de donativos, em entrega realizada no dia seguinte.
Pensamentos sobre a crise
capitalista e a flexibilização das relações trabalhistas
O
primeiro bloco do Seminário foi ocupado pelos professores Henrique Wellen
(UFRN) e Ronaldo Alencar (UFPB), que trataram, respectivamente, das crises
capitalistas e flexibilização das relações trabalhistas.
Wellen
iniciou sua fala lembrando que crises pressupõem contradições, e que essa própria
palavra carrega consigo a negatividade, a qual leva a uma necessidade de
mudança, do novo: “crise é o momento da emancipação”. Num breve retrato
histórico, lembrou que com o capitalismo tem-se pela primeira vez a abundância,
através da superação da ausência de capacidade produtiva. A relação peculiar
capitalista provoca o que o professor entende como “principal crise do
capitalismo”, que é a relação entre o polo produtivo e distributivo. Novamente
recorrendo à História, Wellen lembrou que as revoluções burguesas criaram uma
igualdade jurídica assentada na desigualdade econômica.
O
palestrante salientou que as noções de liberdade, igualdade e fraternidade têm
difícil relação entre si e que a busca por sua interação foi uma forma de
legitimar o capitalismo. Disse o docente que “liberdade é ter um campo de
possibilidades de escolhas, e se há escolhas diferentes, não há uma liberdade
só”, pontuando ainda que “a liberdade econômica, a do mercado, virou a única
vertente possível, justamente ela, a que menos dá liberdade”: o trabalhador não
entra com a mesma liberdade do capitalista, pois este tem os meios de produção,
e somente resta a força de trabalho àquele.
O
professor trouxe dois aspectos fundamentais: a não ocorrência da
desconcentração de riqueza no Brasil – simbolizada pela inexistência de taxação
dos lucros capitalistas – e a ausência de atores emancipatórios sociais
atualmente. Reside aí uma preocupação de Henrique Wellen, pois ele adverte que
política não se faz em silêncio, o que tem aberto espaço para o aparecimento de
discursos nazifascistas a tratarem das questões sociais “da forma mais cínica
possível”. Encerrou apontando uma solução: a reconstrução imediata das forças
sociais emancipatórias.
Na
sequência, o professor Ronaldo Alencar teve a palavra para expor seu raciocínio,
logo de início afirmando que “estudar as relações trabalhistas é estudar como
as sociedades funcionam”. O trabalho, para ele, pode ser enxergado por dois
vieses, o ontológico (atributo da condição humana) e o histórico (condição
determinada pelas conjunturas sociais e políticas).
Alencar
sentencia que o trabalho no capitalismo é orientado para produção de
mercadorias, sendo destinado à multiplicação de necessidades, não a sua
satisfação. O capitalismo promove a degeneração de homem, porque tende a
absorver todas as relações humanas: “nossas realizações passaram a ser somente
possíveis através desse sistema; entramos em crise se ele entrar em crise”,
assevera o palestrante.
Quanto
à flexibilização em si, Alencar informa que período de crise é a hora em que a
classe trabalhadora paga a conta. No entendimento do professor, a
flexibilização “é o imperativo necessário para acabar a turbulência e manter o
sonho do final feliz, às custas de grande parcela da população”.
No
espaço para perguntas orais e escritas, os palestrantes criticaram a forma como
foram postas políticas sociais dos governos recentes, “uma tentativa de criar
um pacto social brasileiro que, entretanto, não mexeu em nada com o polo de
concentração de riqueza”, segundo Henrique Wellen. Ronaldo Alencar defende
existir uma necessidade de organização da classe trabalhadora, preparar-se para
uma luta política.
“Como ideologia, o neoliberalismo venceu”
O
segundo bloco de palestras teve início com a pesquisadora Hericka Medeiros,
cuja participação versou sobre neoliberalismo e educação para os direitos
sociais. Prontamente, foi apresentado uma diferença de entendimentos: educação equalizadora
de oportunidades ou como controle social? O fato é que para a palestrante, a educação
no Brasil é, na realidade, “ornamento e prenda”, quando o diploma transforma-se
num bem “posicional”.
Após
ser promovida uma linha histórica, Medeiros lembrou que a escola de
antigamente, tão elogiada por aqueles que a viveram, não contemplava a sociedade
como um todo (trouxe o dado de que cerca de 40% dos brasileiros eram
analfabetos nos anos 1940). Com a Constituição de 1988, a educação passou a ser
direito de todos a ser garantido por Estado e família. É nessa mesma esteira em
que emerge o neoliberalismo na educação, a implicar a abordagem da escola
através de conceitos de mercado: “se você não consegue entrar na universidade,
a culpa é sua! Essa é a versão que passa a imperar”, afirma a pesquisadora com
muita preocupação. Para ela, isso deixa claro que o neoliberalismo venceu como
ideologia.
Esse
fenômeno é visto também na universidade, que passa a ser criticada como
“populista, corporativista e improdutiva”. Hericka Medeiros diagnostica que o
bem universal (educação) passou a estar na esfera do mercado.
Cléder
Renato, pesquisador do GESTO e servidor da Previdência Social, ficou com a
missão de encerrar o evento. Ele trouxe uma perspectiva mais técnica, com as
considerações próprias de quem vive essa realidade mais de perto. Sua
participação serviu para rebater mitos, argumentos e alegações.
Renato
contestou veementemente a tese do “rombo” da previdência, denunciando que a
crise propaga a versão de que direitos precisam ser cortados. De acordo com
ele, é evidente que retirar o benefício de mais alguém só vai piorar a situação
e sustenta: “está faltando mais humanização! Não somos meros números!”
Ao
final do evento, realizou-se o sorteio de seis livros, gentilmente doados por
outros professores e apoiadores do GESTO, entregues a participantes ainda
presentes no auditório. Assim, terminaram quase cinco horas de intensa reflexão
e debate.
A palavra do professor Zéu Palmeira
Sobrinho
Terminada
mais uma edição do Seminário de Seguridade Social e Trabalho, o professor Zéu
Palmeira Sobrinho, coordenador do evento e do GESTO, teceu algumas palavras.
Inicialmente,
comemorou o fato de as inscrições terem sido totalmente preenchidas a dez dias
do evento, saudando a organização e divulgação: “também quero agradecer de
forma muito afetuosa a todos os alunos que participaram da organização do
evento e que contribuíram valiosamente para o sucesso do mesmo”, disse o
professor.
Para
Zéu, o evento cumpriu o objetivo ao qual se dispôs, afinal articulou a
comunidade universitária e extrauniversitária para debater a crise política e
os desdobramentos sobre os direitos sociais. Palmeira Sobrinho demonstrou
sensação de realização pelo fato de os debates terem contado com nível e
participação excelentes, quando os professores foram enfáticos quanto à
necessidade da sociedade se articular para evitar retrocessos sociais e o
desmantelamento dos direitos e conquistas sociais.
No
que tange à participação de estudantes de diversos cursos, tais como Direito,
Serviço Social e Sociologia, o professor classificou relevantíssima essa
reunião para reflexão e debate numa perspectiva de transversalidade: “entendo
que o debate interdisciplinar do Direito possibilita uma maior perspectiva de
formação de consciência crítica e maior poder de análises responsáveis e
construtivas. Ademais, o nosso evento deu uma demonstração de que nós temos
condições de discutir o fenômeno jurídico sem descuidar do complexo de saberes
que perpassam as relações sociais”, encerrou Zéu Palmeira Sobrinho.
Texto elaborado por Yves Bezerra.
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