Zéu
Palmeira Sobrinho[1] Artigo publicado na Revista FIDES, http://www.revistafides.ufrn.br/index.php/br, em 14.nov.2019,
p. 50-68
RESUMO:
O governo Bolsonaro apresentou um Anteprojeto
de lei visando a implantação do Programa Future-se com a finalidade de permitir
que as IFES (instituições federais de ensino superior) captem recursos no
mercado, por meio de parcerias com as fundações de apoio e as OS – Organizações
Sociais, e fortaleçam a sua autonomia administrativa e financeira. O presente artigo,
além de descrever aspectos do Future-se, explicitará o contexto em que este é
apresentado, bem como demonstrará como o mesmo é concomitantemente um
desdobramento do Golpe de 2016 e se insere num conjunto de estratégias para a
privatização da educação superior no Brasil.
Palavras-chave:
Future-se; educação superior; privatização.
ABSTRACT:
The Bolsonaro government has presented a
preliminary bill intended at implementing of the Future-se program, in order to
allow IFES (federal higher education institutions) to raise funds in the market
through partnerships with support foundations and OS (social organizations) and
to strengthen their administrative and
financial autonomy. This article portrays the aspects of the Future-se and
explains the context in which it is presented, as well as explains how it is
associated to the unfolding of the 2016 Coup and a part of a set of strategies
aimed at the privatization of the higher education in BrazilKeywords.
Future-se; higher education; privatizacion.
1. INTRODUÇÃO
“A
ideologia autoritária que naturaliza as desigualdades e exclusões
socioeconômicas vem exprimir-se no modo de funcionamento da política [no Brasil].”
(CHAUÍ, 2001, p. 16)
A epígrafe que inspira a
presente introdução é uma descrição das estruturas profundas da luta de classes
que historicamente condiciona a vida socioeconômica no Brasil. É o iracundo e
implacável desejo das elites que resistem à construção de uma nação onde caibam
todos e todas. Nessa sociedade em que a cultura senhorial foi recorrentemente
amoldada aos interesses do capitalismo, a oligarquia que controlou a terra, a
burocracia e a exploração da força de trabalho se arvorou como diferente,
superior e privilegiada, cooptando a classe média com as migalhas do
autoritarismo. É nessa perspectiva histórica que o ódio excludente dos de cima
em relação aos de baixo traduz-se na restrição de acesso às instituições, seja
como instrumento para a negação da democracia concreta ou como tentativa de
desconstrução da política em seu sentido democrático.
Embora não sem ambiguidades,
as universidades e outras relevantes instituições do Estado no Brasil, sob a
inspiração de demandas democráticas muito recentes, tornaram-se num espaço de
combatividade pela inclusão social. Todavia, ante a mesquinhez de uma elite
obcecada por um modelo de periferização geopolítica e socioeconômica, a
educação superior na qual caibam todos e todas continua a ser uma luta
interditada, bloqueada e asfixiada. É nesse contexto, por exemplo, que o
atual Ministro da Educação, Abraham
Weintraub, numa solenidade em que este se dirigia a crianças e adolescentes,
afirmou categoricamente que no “Brasil não tem espaço para todos, só para os
melhores” (MARTINS, 2019).
É partindo dessa reflexão
sobre a exploração da desigualdade, como práxis de uma elite política, que o
presente artigo propõe-se a debruçar sobre a segunda versão do Anteprojeto[2] do Programa
do governo federal, denominado Future-se, como a mais nova investida da elite
econômica brasileira contra a democratização do ensino superior.
No capítulo inicial do
presente artigo será feita uma breve descrição dos aspectos principais do
Programa Future-se. No segundo capítulo será explicitado o contexto em que está
sendo apresentado o Programa Future-se. No capítulo 4 será exposto o debate
sobre o Future-se como um desdobramento do Golpe de 2016. Por fim, no capítulo
5 será debatido até que ponto o Future-se se inclui dentre as estratégias neoliberais para a privatização da educação
superior. Observe-se que o neoliberalismo aqui é entendido como um receituário
econômico que, em contraposição ao Estado de bem-estar social, visa concomitantemente
a eliminação do intervencionismo econômico na ampliação dos direitos sociais, a
redução dos déficits fiscais, a desregulamentação de direitos sociais, a
privatização, a mercantilização dos bens sociais e a livre autonomia nos
contratos privados (ANDERSON. 1995).
O Future-se é um programa de adesão não
obrigatório, pelas IFES – instituições federais de ensino superior, que tem
como finalidade – segundo o governo federal – fortalecer a autonomia
administrativa e financeira IFES, por meio de parcerias com as fundações de
apoio e as OS – Organizações Sociais.
A primeira versão do
anteprojeto do Future-se foi apresentada no mês de julho de 2019 com consulta
pública aberta até 29 de agosto de 2019. Logo, o Ministério Público Federal
ingressou com ação civil pública postulando que a justiça determinasse uma nova
consulta pública, haja vista a falta de ampla e prévia divulgação do documento
convocatório da proposta do programa Future-se.
Essa primeira consulta pública
perdurou por 40 dias e resultou, segundo informação do MEC, em mais de 20 mil
contribuições ao Anteprojeto. Uma nova minuta foi apresentada pelo MEC para
fins de nova consulta pública até 28 de outubro.
2. PRINCIPAIS
ASPECTOS FORMAIS DO PROGRAMA FUTURE-SE
A versão inicial do programa
era baseada em três eixos: governança, gestão e empreendedorismo; pesquisa e
inovação; e internacionalização.
A nova versão retira dois dos eixos da versão
inicial: a governança e a gestão. A nova proposta mantém-se em três eixos:
pesquisa, desenvolvimento tecnológico inovação; empreendedorismo; e internacionalização.
A primeira versão do programa Future-se
foi recusada por mais de 30 universidades federais do país. Das 63
universidades federais, algumas não se manifestaram publicamente, embora os
integrantes dessas mesmas comunidades tenham recorrentemente manifestado
insatisfação em relação à proposta.
A apresentação da segunda
versão do programa Future-se provocou certa desconfiança da comunidade
universitária em relação as intenções do MEC, principalmente após o Ministro da
Educação fazer várias críticas à gestão das universidades e manifestar o
interesse em reduzir os supostos altos salários dos professores, os quais o
ministro jocosamente chamou de “zebras gordas.”
Adiante serão listadas as
principais modificações trazidas ou ratificadas na nova versão:
a) Servidores
e o direito a bônus vinculados ao desempenho
O MEC sugere alterações no
plano de carreira dos servidores técnicos administrativos das IFES, mas não
explicita o sentido e o alcance de tais alterações. Os servidores técnicos são
autorizados a coordenar projetos de ensino e pesquisa;
Se aprovado o Anteprojeto, os bônus
de natureza eventual, não incorporáveis aos salários, serão instituídos para os
servidores como "benefícios especiais" para os servidores que
atingirem os indicadores de desempenho.
b) O
contrato de desempenho e as metas a serem cumpridas pelas IFES
O Anteprojeto diz que as IFES participarão
do programa Future-se por meio de um contrato de desempenho, com prazo de
vigência não superior a 4 anos e não inferior a 1 ano, e prevê um conjunto de
metas a serem cumpridas pelas IFES, conforme critérios a serem definidos pelo
MEC.
O aludido contrato, que será
firmado entre a universidade, ou o Instituto Federal, e o Ministério da
Educação, terá como contrapartida a concessão de benefícios especiais. Segundo
o artigo 3º do Anteprojeto, os benefícios especiais são definidos como medidas
facilitadoras do atingimento dos fins colimados para o programa Future-se.
A grande inquietação trazida
pelo contrato de desempenho é que o Anteprojeto prevê indicadores de resultado,
para avaliar o desempenho das IFES relacionados aos eixos do programa em troca
de benefícios especiais que ninguém sabe ainda em que consistem. Cuida-se,
portanto, de uma norma vaga, que se abre para um horizonte amplo de indefinições.
Com efeito, o § 2º do art. 7º do Anteprojeto ao fazer alusão aos indicadores de
desempenho que serão estabelecidos pelo Ministério da Educação não estabelece
parâmetros para a fixação de tais indicadores.
c) As
fundações de apoio e as OS – Organizações Sociais
O novo Anteprojeto do programa
Future-se prevê que, para alcançar os resultados em cada eixo, as IFES poderão
celebrar contratos e convênios diretamente com fundações de apoio e ou contrato
de gestão com as OS - organizações sociais.
Importante ressaltar que
embora tenha sido retirado da segunda versão o eixo referente a gestão, o Anteprojeto
manteve a possibilidade de celebração do contrato de gestão com OS -
organizações sociais com a finalidade de permitir que estas façam o
gerenciamento da execução das atividades previstas nos eixos do programa
Future-se.
A segunda versão do Anteprojeto
trouxe como novidade a possibilidade da celebração de instrumentos jurídicos
entre as IFES e as fundações de apoio. Estás foram historicamente instituídas
para dar apoio a execução de projetos de interesse das IFES. Todavia, a
despeito do atual Anteprojeto afirmar a sua obediência à autonomia
universitária, prevista no art. 207 da Constituição, o § 3º do art. 12 diz
expressamente que a execução de projetos no âmbito do programa Future-se ensejará
a alteração da norma interna que disciplina o relacionamento das fundações de
apoio com a universidade ou o Instituto Federal. O aludido parágrafo abre um
largo horizonte para questionamentos, inclusive para se permitir ou autorizar a
quebra da autonomia universitária.
O Anteprojeto prevê que a
União poderá doar bens imobiliários para as organizações sociais
participante do programa Future-se (at. 33), desde que referidos bens sejam
integralizados no Fundo Soberano de Conhecimento ou no Fundo Patrimonial do
Future-se..
e) Revalidação de diplomas
O Anteprojeto autoriza que as
faculdades privadas passem a ter o poder de revalidar diplomas de graduação
obtidos em cursos realizados no exterior. Atualmente a LDB (Lei de Diretrizes e
Bases)[3] só
permite que universidades públicas procedam tal validação. A medida pode abrir
um campo amplo para fraude, haja vista que além de afastar a fiscalização sobre
o funcionamento das instituições formadoras,
traz como o risco a possibilidade de permissão de ingresso no mercado de
trabalho de profissionais com qualificação insuficiente ou duvidosa, o que se
traduz em riscos para a população. Ademais, é patente o receio de que
revalidações sejam realizadas sem a aplicação da regra de reciprocidade, a qual
já foi abolida da política de relação exterior do Brasil em alguns casos, a
exemplo da exigência de vistos em relação a países como EUA e China.
f) O suprimento da exigência
de título acadêmico pelo reconhecimento de notório saber
O parágrafo único, do art. 66,
da atual LDB, prevê que o notório saber poderá
suprir a exigência de título acadêmico,
mas desde que seja reconhecido por universidade com curso de doutorado na
respectiva área afim.
O Anteprojeto altera o citado
artigo da LDB para retirar a exigência de que somente a instituição de ensino
com doutorado na área afim é que tem competência para reconhecer e declarar o
notório saber. Se vingar o Anteprojeto, para outorgar o título de notório
saber, basta que a instituição de ensino tenha apenas pós-graduação na área
afim, não sendo necessariamente curso de doutorado. Sob esse aspecto urge
indagar-se: como pode uma instituição que não forma doutores, que é a mais alta
qualificação acadêmica, ter legitimidade para decretar que alguém tem notório
saber?
Outra novidade do Anteprojeto
é que este amplia largamente o horizonte de caracterização do notório saber ao
permitir que este título seja outorgado àqueles que tenham realizado trabalhos
reconhecidamente importantes, em escala nacional e/ou internacional, com
contribuição significativa para o desenvolvimento da área no país e que
demonstrem a alta qualificação no campo do conhecimento.
Em relação à possibilidade de
concessão do título de notório saber, o
Anteprojeto abre uma enorme brecha para fraude e para demagogicamente banalizar
tal título. Ao afrouxar as exigências em relação às IFES, não exigindo mais que
esta tenha um doutorado na área afim para reconhecer o título de notório saber,
a proposta tende a adotar dois caminhos tenebrosos: a não ter em seus quadros
possuidores de notório saber para se reconhecer a pertinência da outorga de
titulação; e, segundo, a conceder a titulação a quem não tem qualquer relevante
e regular produção acadêmico-científica.
g) Contratação de estrangeiros
O Anteprojeto, visando
dinamizar o eixo da internacionalização, autoriza a contratação de pesquisador
e professor do exterior, mas condiciona que a vinculação deste se dê
diretamente com a OS (organização social) ou com a fundação de apoio, mediante
a celebração
de contrato de trabalho privado. Tal
contratação não se dará de forma excepcional, conforme se prevê atualmente a
Lei 8745/1993 que autoriza a contratação de professor e pesquisador estrangeiro
visitante para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público.
h) Naming rights
As universidades e os
institutos federais poderão adotar os naming rights, ou seja, poderão celebrar
contratos de concessão do direito de nomear bem, evento ou local com os nomes
de pessoas físicas ou jurídicas, em troca de compensação economicamente
mensurável e relevante.
O Anteprojeto prevê que a
autorização para a adoção de naming rights deverá ser precedida de estudo que
demonstre que o preço de mercado da imagem da IFES e a proposta apresentada
pela pessoa física ou jurídica representam ganhos para a instituição.
i) A Sociedade de Propósito
Específico (SPE)
O Anteprojeto permite a criação
de SPE, dotada de personalidade jurídica de direito privado e constituída de
pessoas físicas ou jurídica, de direito público ou privado, nacionais ou
estrangeiras, no âmbito de uma ou mais IFES.
O Anteprojeto prevê que as SPE
devem trabalhar articuladamente com as IFES e poderão assumir a forma de
sociedade limitada ou anônima, obedecendo às normas e exigências legais
vigentes previstas na legislação para o tipo societário escolhido.
A finalidade da SPE é,
conforme expressamente prevê o Anteprojeto, fortalecer o poder de compra, o
compartilhamento de recursos, a combinação de competências, a divisão do ônus
da realização de pesquisas, a partilha dos riscos e custos ou o oferecimento de
produtos com qualidade superior e diversificada.
Observe que a SPE pode ser
constituída de agentes administrativos, ou seja, o docente poderá ser sócio de
uma SPE. No Anteprojeto inicial, havia a previsão de que as IFES fariam jus a
um percentual do lucro auferido pela sociedade de propósito específico. Essa
possibilidade restou silente no atual Anteprojeto.
j) Do Fundo Patrimonial do Future-se (FPF)
O Ministério da Educação,
conforme previsão do art. 26 do Anteprojeto, poderá constituir fundo patrimonial a ser
gerenciado por instituição privada, sem finalidades lucrativas, e escolhida por
procedimento simplificado, dispensada a licitação. A criação do FPF não impede
que as IFES criem seus próprios fundos patrimoniais.
O fundo patrimonial será
constituído de uma diversidade de receitas, dentre as quais podem ser
destacadas: as doações financeiras e das seguintes receitas: as doações
financeiras e de bens móveis e imóveis e o patrocínio de pessoas físicas, de
pessoas jurídicas, nacionais ou estrangeiras;
os ganhos de capital e os rendimentos oriundos dos investimentos
realizados com seus ativos; os recursos derivados de locação, empréstimo ou
alienação de bens e direitos ou de publicações, material técnico, dados e
informações; os recursos destinados por testamento; as contribuições
associativas; as receitas decorrentes de arrecadação própria das universidades
e dos institutos federais; alienações de bens e direitos; aplicações
financeiras que realizar; exploração de direitos de propriedade intelectual;
matrículas e mensalidades de pós-graduação latu sensu, etc.
Segundo o Anteprojeto (art.
28), as receitas decorrentes de recursos
de arrecadação própria das universidades e institutos federais poderão ser destinados ao FPF, sem ingresso na
Conta Única do Tesouro Nacional, mas deverão ser alocadas em contas separadas.
Os rendimentos respectivos somente poderão ser utilizados em projetos e
programas da respectiva instituição, por meio das organizações sociais ou das
fundações de apoio.
l) Do Fundo Soberano de Conhecimento
O Anteprojeto autoriza a União
a criar um Fundo Soberano de Conhecimento que consistirá numa espécie de fundo
de investimento específico, multimercado, constituído a partir da
integralização de diversos ativos financeiros, inclusive imobiliários, com a
finalidade de geração de receitas para alocação nas ações de fortalecimento dos
eixos do programa Future-se.
O Fundo Soberano de
Conhecimento terá natureza privada, patrimônio próprio, gestão a cargo de
instituição financeira, a qual será escolhida mediante procedimento seletivo
simplificado e terá a sua atuação submetida à disciplina das regras editadas
pela Comissão de Valores Mobiliários.
Conforme o atingimento dos
indicadores de desempenho, as IFES receberão do Fundo Soberano de Conhecimento
os benefícios especiais para aplicação nos eixos do Programa Future-se, ou
seja, nas esferas do empreendedorismo, pesquisa, desenvolvimento tecnológico,
inovação e internacionalização.
3. O
CONTEXTO POLÍTICO DO FUTURE-SE
O Programa Future-se é apresentado
num contexto de críticas dos neoliberais aos investimentos realizados na
educação superior pelos governos petistas de Lula e Dilma.
A ampliação das IFES entre
2005 a 2014, mais do que promover a igualdade de oportunidades no acesso ao
ensino, contribuiu para o desenvolvimento de regiões até então carentes de uma
educação de qualidade. A disseminação de universidades e institutos por
diferentes regiões do país foi fruto direto do Programa REUNE. Por meio deste
cada universidade ou instituto federal definiu como deveria capilarizar-se,
interiorizar-se e atingir populações até então distantes da educação superior e
técnica.
Para além do Golpe de 2016, a
primeira grande resposta dos neoliberais, ao que eles consideraram uma
gestão de gastança perdulária das
políticas públicas, foi a Emenda Constitucional 95 que congelou por vinte
exercícios financeiros todos os investimentos em bens primários, afetando
diretamente o funcionamento do sistema educacional do país.
Na esteira dos desdobramentos
do Golpe de 2016, a estrutura de poder dominante conseguiu emplacar o governo
Bolsonaro com o apoio de banqueiros, empresários do agronegócio, empresários de
grandes corporações internacionais do setor de educação, magnatas como Steve
Bannon, que controlam empresas de mega robôs para a disseminação de ódios e
preconceitos por meio de fakenews, sem falar no apoio da mídia
hegemônica mercenária, de parte dos fundamentalistas religiosos e de
conservadores negacionistas da ciência. Sob o governo Bolsonaro, o mote central
passou a ser reprimir a escola pública
por meio de iniciativas
conservadoras, tais como a “escola sem partido”, a “escola militarizada” e por
meio de intimidações e chantagens. Assim, se deram as ações com a finalidade de
criminalização do corpo docente, de contingenciamento injustificado de verbas
para a educação, etc.
As práticas de criminalização promovida
pela política neoliberal, após o Golpe de 2016,
tiveram como alvo os docentes e dirigentes das universidades, a exemplo
do emblemático caso que levou à morte o ex-reitor Luis Carlos Cancellier, da
UFSC. O mencionado reitor foi afastado da reitoria e acusado de acobertar uma
organização criminosa que teria supostamente desviado dinheiro público da UFSC.
Mesmo sem a existência de provas, o reitor foi violentamente retirado do
cargo. Por força de ordem judicial,
Cancellier foi submetido a uma condução vexatória, espetacularizada, além de
tratado de forma humilhante e sensacionalista pela mídia. Preso preventivamente
por 2 semanas, o professor Cancellier foi alvo de terror psicológico e,
emocionalmente abalado pela profunda injustiça que estava a sofrer, atirou-se
de um vão do Beiramar Shopping, na cidade de Florianópolis. O fato chocou tanto
o país, que tramita no Senado, o projeto de Lei do abuso de autoridade, que
também é chamado de projeto da Lei Cancellier.
Além do caso do reitor
Cancellier, outros fatos ocorridos em 2019 retrataram o novo modelo de
autoritarismo e obscurantismo da gestão da educação no Brasil. No primeiro
semestre de 2019 ao menos alguns dos fatos mencionados a seguir marcaram a
postura do governo federal em relação as universidades:
·
1º) O Ex-ministro Ricardo Velez Rodriguez,
embora com uma passagem meteórica à frente da pasta da educação, ocupou o site
do MEC para mandar um recado claro a toda a sociedade brasileira no sentido de
que a universidade não seria para todos (MARIZ, 2019);
·
2º) O substituto de Velez, o novo ministro da
educação, Abraham Weintraub, afirmou que “gravar ou filmar aulas é ato de
legítima defesa contra os predadores ideológicos disfarçados de professores” (AGOSTINI, 2019);
·
3º) O mesmo ministro Weintraub fez, ainda,
repercutir a fala de Olavo de Carvalho, no sentido de que as universidades são
locus de balbúrdia, onde as pessoas andam nuas, fazendo sexo e fumando maconha
(SILBER, 2019);
·
4º) Não tardou para que o próprio Weintraub
determinasse o contingenciamento de verbas da educação superior sob a alegação
de suposta balbúrdia nas universidades;
·
5º) A resposta da população veio nas ruas com
os protestos, realizados nos dias 15 e 30 de maio de 2019, contra os atos do
ministro da educação;
·
6º) Como se não bastassem as difamações de
Weintraub contra as universidades brasileiras, o presidente Bolsonaro propôs
reduzir verbas para cursos de filosofia e de sociologia, sob o argumento de que
estes não serviam para nada, deixando implícito que os mesmos deveriam ser
abolidos (MAIA, 2019);
·
7º) Paralelamente as hostilidades do governo
federal, o governo do Estado de São Paulo e a bancada parlamentar que lhe dá
apoio também colaborou par o processo de intimidação e criminalização das
gestões universitárias. Com efeito, a Assembleia do Estado de São Paulo
resolveu abrir uma CPI para investigar a gestão e até o conteúdo que estava sendo lecionado nas universidades
estaduais, como a USP e a UNICAMP;
·
8º) Por fim, o ministro da educação baixou uma
Portaria tentando revogar os poderes dos reitores das universidades federais de
nomearem os pró-reitores. Estes, segundo Weintraub deveriam ser nomeados
somente após passarem pelo crivo da Casa Civil e da Secretaria de Governo.
Felizmente, a Portaria foi revogada.
Todos esses fatos retratam os
atos brutais que tentaram silenciar os setores críticos da sociedade que ainda
insistem numa educação inclusiva e como fator de combate às desigualdades
sociais. Os constantes ataques contra a universidade não ocorrem porque ela se opõe
a ter uma relação com o mercado, é porque ela em algum momento da história
ousou ampliar o seu acesso como estratégia para a promoção de um país menos
subalterno e colonizado.
4. O
FUTURE-SE COMO DESDOBRAMENTO DO GOLPE DE 2016: O ATAQUE A EDUCAÇÃO SUPERIOR
INCLUSIVA E AO PNE.
O Brasil entrou no século XXI
com problemas gravíssimos na educação. Apesar de uma legislação progressista, o
Brasil tinha sérios problemas na infraestrutura, tais como: inclusão escolar;
transporte escolar; utilização de metodologias de ensino superadas; falta de
quase 400 mil professores; metade dos docentes na iminência de aposentadoria;
docentes desmotivados; salários precários para os docentes; subfinanciamento da
educação, exclusão digital; inexistência ou insuficiência de laboratórios,
bibliotecas, salas de aula e etc e etc.
Após a Constituição de 1988 e
a Lei 9.394/1996 (LDB -Lei de Diretrizes e Bases da Educação), a legislação
mais importante no âmbito da educação é a Lei 13.005/2014 (PNE – Plano Nacional
de Educação), haja vista que esta expressa o planejamento a longo prazo do que
será feito e do que se deseja de toda a educação nacional.
Uma das mais fortes
singularidades do Programa Future-se é que ele despreza o PNE. A razão desse
menoscabo é porque o governo de ultradireita jamais aceitaria uma educação
baseada num planejamento que chancela a liberdade de cátedra, a gestão
democrática da educação, a pluralidade, a inclusão social, a universalidade do
acesso, a educação laica, etc.
É no art. 3º do PNE que estão
as pilastras básicas da educação civilizatória, além das metas e estratégias
para a educação nacional. São metas do PNE – Plano Nacional da Educação, a
saber resumidamente, conforme o quadro a seguir:
META
|
|
1
|
Universalizar, até 2016, a educação
infantil na pré-escola
|
2
|
Universalizar o ensino fundamental de 9
(nove) anos para toda a população de 6 (seis) a 14 (quatorze) anos
|
3
|
Universalizar, até 2016, o atendimento
escolar para toda a população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos
|
4
|
Universalizar, para a população de 4 (quatro)
a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento
e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao
atendimento educacional especializado
|
5
|
Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até
o final do 3o (terceiro) ano do ensino fundamental.
|
6
|
Oferecer educação em tempo integral em, no
mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas
|
7
|
Fomentar a qualidade da educação
|
8
|
Elevar a escolaridade média da população de
18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos, de modo a alcançar, no mínimo, 12
(doze) anos
|
9
|
Elevar a taxa de alfabetização da população
com 15 (quinze) anos ou mais para 93,5% (noventa e três inteiros e cinco
décimos por cento) até 2015 e, até o final da vigência deste PNE, erradicar o
analfabetismo absoluto e reduzir em 50% (cinquenta por cento) a taxa de
analfabetismo funcional.
|
10
|
Oferecer, no mínimo, 25% (vinte e cinco por
cento) das matrículas de educação de jovens e adultos, nos ensinos
fundamental e médio
|
11
|
Triplicar as matrículas da educação
profissional técnica de nível médio
|
12
|
Elevar a taxa bruta de matrícula na educação
superior para 50%
|
13
|
Elevar a qualidade da educação superior e
ampliar a proporção de mestres e doutores do corpo docente
|
14
|
Elevar gradualmente o número de matrículas na
pós-graduação de modo a atingir a titulação anual de 60.000 (sessenta mil)
mestres e 25.000 (vinte e cinco mil) doutores.
|
15
|
Garantir a política nacional de formação dos
profissionais da
|
16
|
Formar, em nível de pós-graduação, 50%
(cinquenta por cento) dos professores da educação básica
|
17
|
Valorizar os (as) profissionais do magistério
das redes públicas de educação básica
|
18
|
Assegurar
planos de Carreira para os (as) profissionais da educação básica e
superior pública
|
19
|
Assegurar a
gestão democrática da educação .
|
20
|
Ampliar o investimento público em educação
pública de forma a atingir, inicialmente, o patamar de 7% (sete por cento) do
PIB até chegar o equivalente a 10% do
PIB ao final do decênio.
|
Quadro elaborado pelo autor.
|
O maior desafio dos gestores
nacionais da educação continua a ser,
como diz Meszaros (2005), a busca de meios para a superação da lógica
desumanizadora do capital na esfera da educação. Outros dois desafios para os
educadores brasileiros, nas duas últimas décadas que antecederam ao Golpe de
2016, era ter que decidir entre melhorar primeiro a estrutura e somente
promover a inclusão educacional a posteriori ou fazer as duas coisas
concomitantemente. Preferiu-se a segunda alternativa, visto que a urgência da
inclusão não poderia mais ser postergada. Porém, em matéria de educação, num
país de déficit de inclusão abissal, melhorar o sistema educacional e promover
inclusão social ao mesmo tempo é algo metaforicamente comparável a consertar os
pneus com o carro em movimento. Se tudo não saiu como desejado, se o déficit
histórico da inclusão educacional ainda persiste, não se pode por outro lado
deixar de reconhecer que muito foi realizado.
Os governos Lula e Dilma
priorizaram o ajuste fiscal, o pagamento da dívida pública, políticas sociais
focalizadas e a dinamização do acesso à educação superior nas universidades
privadas. Todavia, no período compreendido entre 2003 a 2014, as despesas com
as universidades federais aumentaram
76,47% (REIS, 2017).
Apesar de as universidades,
entre 2003 a 2014, terem recebido treze vezes menos recursos do que o que foi
destinado para o pagamento da dívida pública, a União até 2014 vinha obtendo
avanços no cumprimento do PNE.
As metas do PNE muito incomodaram a
ultradireita porque o cumprimento das mesmas implicariam investimentos
crescentes. Por exemplo, a meta 12 previa a elevação da taxa bruta de
matrículas na educação superior para 50%; a meta 14 previa se atingir a
titulação anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores; a meta 16 previa formar,
em nível de pós-graduação, 50% dos professores da escola básica até 2014; a
meta 17 previa a valorização dos docentes, inclusive com a reestruturação
paulatina da carreira e dos salários. Ressalte-se ainda que, no cumprimento do
PNE, no período de 2011 a 2016, foram colocados em execução 28 programas de
formação de professores. Acrescente-se ainda que, entre o período de 2003 a
2014, foram criadas 18 novas universidades e os institutos federal de educação
técnica e tecnológica passaram de 160 para 644 unidades.
Na ânsia de objetar e destruir
as bases do PNE, no período compreendido entre o governo Temer e o atual
governo, principalmente depois da aprovação da Emenda 95, que congelou por 20
anos os investimentos em saúde e educação, as metas do PNE foram abandonadas. Até
o momento, das 20 metas existentes, 16 não foram atingidas e 4 foram cumpridas
parcialmente, ou seja, as metas 7, 11, 13 e 14.
Além do PNE, o Future-se
também tenta abater as diretrizes curriculares nacionais, previstas na Resolução
CNE/CP n. 02/2015, ao tentar estigmatizar as universidades como promotoras de
festivais de gastança, de irresponsabilidade fiscal, de balbúrdia e de
improdutividade. Nesse contexto, são realizados cortes orçamentários e
construída uma narrativa dos supostos abusos praticados pelos gestores e pelos
membros da comunidade universitária. Essa narrativa, além de contar com a
espetacularização midiática, afirma-se no contexto de criminalização dos
gestores universitários, a exemplo do que vem ocorrendo com as CPIs das
Universidades Estaduais em São Paulo, as constantes ameaças de abertura da CPI
da Educação Nacional e os fatos que sinalizam a violência real e simbólica
traduzida na invasão das universidades por policiais e na prisão vexatória de
membros da comunidade universitária, devendo-se recordar, sob esse aspecto, a
vexatória e constrangedora prisão do ex-reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier. Outros
gestores, a exemplo do que aconteceu recentemente aos reitores da UFMG e da
UFRGS, também respondem atualmente por processos criminais sob a acusação de
desvio de recursos públicos. Como se não bastasse toda essa violência contra a
educação, o governo recentemente desviou recursos da educação na ordem de 1
bilhão de reais com a finalidade de liberar emendas parlamentares em relação
aos deputados que votaram favoravelmente à reforma da previdência social.
Portanto, o Future-se é um
programa imposto num contexto de chantagem e destruição da educação superior.
Esse ataque à educação vem junto com a tentativa de pilhagem das riquezas
nacionais e junto com a tentativa de se retirar da universidade pública a
função de autarquia, subordinando-a ao regime de direito privado e a uma
constelação de contratos precários em relação a docentes e demais servidores,
extinguindo-se conquistas da cidadania, tais como: a exigência do concurso
público; a transparência das contas públicas; a valorização do docente; e a
estabilidade dos servidores públicos em geral.
O Future-se, ao desprezar o PNE, além de
aprofundar o projeto ultraliberal de destruição do Estado Social, desenhado
pela Constituição Federal de 1988, tende a disseminar a política do ódio à
diversidade, afetando principalmente os direitos das mulheres, indígenas,
negros, quilombolas, socialistas, comunistas, LGBTT, lideranças ambientais,
representantes de movimentos sociais, etc
Torna-se urgente que a
sociedade reivindique o cumprimento do PNE e das diretrizes que orientam os
rumos a serem trilhados pela educação nacional. Tais diretrizes apontam para a
necessidade de expansão da educação de qualidade, pela gestão democrática, pela
promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à
sustentabilidade socioambiental e pela valorização dos profissionais da
educação.
5. AS ESTRATÉGIAS
NEOLIBERAIS PARA PRIVATIZAR A EDUCAÇÃO SUPERIOR
Com a Reforma Universitária de
1968, realizada em pleno regime militar, as instituições privadas de ensino
superior passaram a ganhar crescentemente fatias do mercado e competir com o
Estado pela oferta de vagas na educação superior (CARVALHO, 2017). Sob o
governo de Fernando Henrique Cardoso, o estímulo aos empresários da educação
superior foi atraente. Pelo Decreto 2207/1997, as instituições privadas
passaram a ampliar a sua rede de usuários com a intervenção dos financiamentos
estatais, passaram a gozar de favores fiscais e de acesso às verbas públicas.
A nova ordem escolar que se
almeja desenhar por meio do programa Future-se aponta para a repetição da
tragédia chilena, ou seja, um modelo excludente que transforma a educação num
recurso privado e a escola num locus instrumental do mercado. A escola
neoliberal, no dizer de Laval (2003, página. 17) “é a designação de certo
modelo escolar que considera educação bem essencialmente privado, o valor é
acima de tudo econômico.”
A proposta neoliberal tenta,
por meio do Future-se, ampliar a esfera do mercado sobre a educação superior.
Essa tentativa de alargamento, a despeito de ser fundamentada no discurso da
modernidade, é desprovida de um diagnóstico do modelo vigente, mas alimentada
pela obstinação de privatização das
universidades públicas. Se à partida o programa Future-se não pode promover a imediata privatização,
ao menos ele está a lançar as bases profundas para que as instituições federais de ensino superior se
tornem privatizáveis.
Dentre as estratégias para
tornar as universidades privatizáveis estão a promoção de quatro aspectos: a
desinformação; a desautonomização; o desvirtuamento; e a cooptação.
A desinformação como
estratégia consiste em se confundir a sociedade, de modo a alimentar a
ignorância desta sobre o papel relevante que as universidades públicas
desempenham em relação a setores estratégicos do estado, do mercado e da
sociedade. Sob esse aspecto, o Future-se dissimula e máscara as informações e
propõe um novo modelo de educação, partindo da suposição de que as IFES são jejunas
em matéria de políticas de internacionalização, estudos e pesquisas sobre desenvolvimento
tecnológico e empreendedorismo.
A desautonomizacão das
instituições federais de ensino superior vem com a proposta de transferir a
gestão dos serviços universitários para fundações de apoio ou Organizações Sociais.
Tais instituições são modelos de empreendimentos para se retirar a autonomia
universitária, sequestrar as IFES da esfera pública, e esvaziar o poder deliberativo
das instâncias democráticas, tornando os colegiados das universidades meros
adereços.
O desvirtuamento consiste em
estilhaçar a importância das universidades como locus da cultura geral, das
práticas emancipatórias, do pluralismo e dos valores civilizacionais,
reduzindo-as cada vez mais a instituições utilitaristas, monotemáticas e com
atuação focada para a pauta de interesse imediato do mercado. O desvirtuamento
atua na destruição real e simbólica dos ideais, dos saberes e das práticas que
chancelam a igualdade de oportunidades, o pluralismo e a gestão democrática. O
interesse neoliberal em desvirtuar toda
a educação superior visa transformar a universidade em algo parecido como uma
empresa privada, que atua segundo a lógica gerencial e utilitarista.
Outra estratégia não menos
importante é a cooptação de docentes, de políticos, de estudantes , de
técnicos, de integrantes da sociedade e da mídia. A cooptação não decorre
somente de uma empatia, mas geralmente envolve uma perspectiva individualista,
monetarista ou compensatória. Há sempre aquele que acredita que as
transformações das instituições federais de ensino superior vão resultado em
vantagens individuais, ainda que sob o aspecto coletivo traga prejuízo para a
sociedade. Não por acaso, o secretário nacional de educação, ao anunciar o
programa Future-se, foi enfático ao afirmar que era chegada a hora do professor
ficar rico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para finalizar as presentes
reflexões, restam um apelo e uma indagação. O apelo consiste em se alertar para
que nenhuma universidade e nenhum pesquisador subestimem o que está por trás
das propostas de um governo ultraliberal e também não menosprezem a capacidade
que essa equipe do Future-se tem de levar adiante a implementação de medidas
que venham afetar drasticamente todo o sistema de educação superior. O tempo
que se dispõe para o estudo e as sugestões ao projeto é curtíssimo. Salvo
engano, são 5 (cinco) semanas para consulta popular, o que inviabiliza um tempo
hábil para um debate mais aprofundado. Por isso mesmo, é preciso que haja um
esforço para se ampliar esse debruço
muito firme sobre cada ponto do projeto.
Sem a intenção de reduzir-se a
análise a uma crítica para desconstruir o Future-se, destaque-se a incisiva
conduta do assessor do Ministério da Educação ao apresentar o programa. Ele o
tempo todo colocou a urgência das medidas, sugerindo que nesse tempo todas
universidades teriam sido negligentes e até incompetentes ao não enxergarem
realidades tão óbvias e aspectos tão problemáticos de gestão acadêmica.
Diante de tal postura surge
uma questão: que momento é este no qual, em quase 200 anos de ensino superior
no Brasil, ninguém da direita pensou antes num programa tão estratégico para as
Instituições Federais de Ensino Superior – IFES como o Future-se?
A indagação proposta vislumbra-se
uma resposta plausível neste momento. A educação emancipadora é um processo de
luta histórica que exige união, inteligência, engajamento e estratégia.
A luta contra o desmonte da
educação superior desafia neste momento a união dos trabalhadores da educação e
o envolvimento da sociedade e dos movimentos sociais contra a mercantilização
da educação, contra o obscurantismo e contra ofensiva de financeirização.
É o momento de os trabalhadores deixarem a
pauta defensivista ou meramente denuncista. É chegada a hora de a universidade
questionar o modelo de desenvolvimento econômico ultraliberal imposto com
enorme sacrifício ao povo brasileiro. Urge que o coletivo de trabalhadores da
educação superior intensifique a mobilização e rompa com a fragmentação que
ainda perdura há mais de uma década. Não
por acaso, em 2005, foi extinto o Fórum Nacional em defesa da educação pública.
Para isso, é preciso que as
entidades interessadas se unam em torno de pontos de convergência, por exemplo,
a luta contra a Emenda Constitucional 95; a luta contra o fim da estabilidade;
a luta contra a autonomia universitária; etc. É preciso que essa pauta seja
estratégica e capaz de inserir os partidos, a mídia e a sociedade, etc
Nunca é tarde demais para a
universidade abrir-se à educação popular e fazer aproximações que sejam capazes
de atrair a sociedade para que esta saiba o que está por trás do Future-se.
A universidade terá que ser
capaz neste momento de traduzir para sua comunidade o que em termos de educação
será capaz de evitar que o nosso projeto de civilização desemboque no caminho
da barbárie. Os docentes, discentes e servidores precisam saber dizer a
sociedade que somente com a autonomia universitária, as universidades terão a
possibilidade de levar em conta o interesse público na hora de direcionar as
suas pesquisas, os seus projetos de desenvolvimento de inovação tecnológica, a
sua força de trabalho qualificada; etc
Enfim, somente ganhará apoio
da sociedade aquela universidade que se recusar a ser subalterna, autoritária,
burocrática, que se cala, que silencia diante dos seus problemas e das grandes
questões nacionais. A sociedade encontrará um patamar civilizatório se a
universidade for cada vez mais gratuita, pública, inclusiva, de qualidade e
democrática.
BIBLIOGRAFIA
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filmar professores em aula é direito dos alunos. O Estadão. São Paulo,
28.abr.2019. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ministro-da-educacao-diz-que-filmar-professores-em-aula-e-direito-dos-alunos,70002808189.
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não é uma empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino público. São Paulo:
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SILBER, Paulo. MEC pune universidades federais
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Acesso em 30.abr.2019.
[1] O
autor é Juiz do Trabalho, vinculado ao TRT-RN, e Professor da Faculdade de
Direito da UFRN, bacharel em direito e ciências sociais, mestre e doutor em sociologia,
pela UFRN, com pós-doutorado em Sociologia Jurídica, pela Universidade de
Coimbra. É coordenador do GESTO – Grupo de Estudos Seguridade Social e Trabalho,
Líder do Grupo de Pesquisa Direitos Sociais e Contemporaneidade e autor de
várias obras jurídicas, tais como: Contrato coletivo de trabalho (Fundação
Duque); Prescrição trabalhista e previdenciária (Ed. Ltr); Estabilidade (Ed.
LTr); Terceirização e reestruturação produtiva (Ed. Ltr); Acidentes do
trabalho: crítica e tendências (ed. Ltr).
[2] Por uma questão de
convenção e para facilitar a atenção do leitor, toda vez que for apresentado o
termo Anteprojeto, com “A” maiúsculo, o autor estará se referindo ao Future-se.
Registre-se que, apesar de membros do governo falar em projeto do Programa
Future-se, somente existe um “anteprojeto”, mesmo porque somente existirá
projeto quando o mesmo for apresentado perante uma casa legislativa e for
tombado sob o número específico.
[3] O
§ 1º, do art. 48, da LDB diz o seguinte: “§ 2º Os diplomas de graduação expedidos
por universidades estrangeiras serão revalidados por universidades públicas que
tenham curso do mesmo nível e área ou equivalente, respeitando-se os acordos
internacionais de reciprocidade ou equiparação.”
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