Zéu Palmeira Sobrinho*
No dia 09 de agosto deste ano ocorreu o mais grave acidente do trabalho da construção civil em Salvador-BA. Nove operários morreram quando o elevador da edificação em que trabalhavam despencou descontroladamente do 26º andar. Na mesma data um trabalhador potiguar caiu do 9º andar e também, por óbvio, veio a falecer.
Que relação tem o acidente ocorrido em Salvador com a morte de mais um empregado na região metropolitana potiguar? A princípio, aparentemente nada. Ocorre que a morte de um trabalhador em decorrência de acidente do trabalho parece que somente vira manchete de jornal quando a tragédia é coletiva. Sob tal aspecto os jornais da capital baiana passaram quase uma semana discutindo e procurando entender por qual motivo há tantas mortes no trabalho.
No Rio Grande do Norte uma morte apenas não foi suficiente para chamar a atenção da imprensa e da sociedade. Em um dos diários da capital potiguar, uma notinha tímida no canto da página contribuía para a mágica da invisibilidade do fato trágico que se fez banal.
Essa invisibilidade da questão acidentária tende a entorpecer o debate sobre a violência que representa para os nordestinos o aumento do número de acidentes do trabalho.
Não é coincidência que tanto na Bahia quanto no Rio Grande do Norte há uma elevação do ritmo de obras e serviços e, consequentemente, uma competição pela obtenção de crescentes níveis de produtividade. Bahia e Rio Grande do Norte estão numa corrida frenética no setor da construção civil, embaladas pelas perspectivas do crescimento econômico, pelas facilidades dos créditos e programas habitacionais e pelo fato de sediarem os próximos jogos da Copa do Mundo.
Baianos e potiguares compartilham das mesmas inquietações dos demais trabalhadores brasileiros: a fragilidade da saúde e segurança no trabalho.
Os números se reproduzem e a lógica do descaso social continua livre ante a ausência de uma ação mais efetiva da sociedade e do Estado. Entre 2007 e 2009, o número de acidentes do trabalho registrados no Rio Grande do Norte aumentou aproximadamente 37%, conforme revela o Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho, publicado pela Previdência Social. Nesse mesmo período morreram 65 trabalhadores em terras potiguares em decorrência de acidente do trabalho.
O que se sucedeu no Rio Grande do Norte é reflexo de um problema nacional. A questão acidentária no Brasil representa uma ferida aberta na história das relações sociais, em face da gravidade das consequências - sofridas pelas vítimas e dependentes - em contraste com o déficit gerado pela omissão daqueles que têm a incumbência de adotar e executar as medidas preventivas nas áreas de higiene, segurança e medicina do trabalho.
Segundo dados da OIT – Organização Internacional do Trabalho, divulgados em 2008, o Brasil é o 4º (quarto) país no ranking mundial em número de acidentes ocupacionais com morte e 15º (décimo quinto) em números gerais de acidentes do trabalho. Em 2008, em solo brasileiro, a cada 15 (quinze) minutos ocorreram 21 (vinte e um) novos acidentes. O mais trágico é que, a julgar pelos números de acidentes ocorridos em 2009, a cada 3,5 (três vírgula cinco) horas ocorre a morte de 1 (um) trabalhador causada em razão da exposição aos riscos inerentes aos fatores ocupacionais.
No tocante ao acidente do trabalho, nem sempre o trabalhador expressa a consciência do poder do coletivo operário na tarefa de solucionar ou atenuar a questão acidentária. Isso ocorre, em parte, porque entre os trabalhadores o acidentado é sempre o outro. Não raro esse outro sequer volta ao seu lugar de trabalho para narrar o acidente. A visão que prevalece é a de que o trabalhador é estimulado a perceber-se como o agente controlador dos riscos aos quais está submetido no local de trabalho. Nisso consiste a alienação do trabalhador, fenômeno constitutivo de sua autoalienação, isto é, a condicionalidade social que lhe priva da percepção do poder de sua categoria organizada.
Essa violência que se reflete nas relações de produção evidencia – em larga medida – a previsibilidade, a ordem camuflada, o cálculo e a difusão da naturalização da precificação da saúde. Observa-se, portanto, que o acidente do trabalho não vem sendo mero desdobramento das relações socioeconômicas sob a égide do modo de produção vigente. Ele é também uma característica de uma sociedade desumanizante e dominada pela racionalidade da coisificação da vida.
Enfim, enquanto discutimos aqui, mais um corpo despenca atrapalhando o trânsito. As estatísticas pululam. A nossa vitrola continua a tocar Chico Buarque. Este mais uma vez profetiza a nossa insensibilidade: “E tropeçou no céu como se ouvisse música. E flutuou no ar como se fosse sábado. E se acabou no chão feito um pacote tímido. Agonizou no meio do passeio náufrago. Morreu na contramão atrapalhando o público."
* O autor é Professor da Faculdade de Direito da UFRN; juiz do trabalho no RN; mestre e doutor em ciências sociais; e coordenador do GESTO (Grupo de Estudos Seguridade Social e Trabalho, da UFRN). Escreve para o blog: www.falariogrande.com.br
1 Comentários
É preciso tomar medidas mais eficientes no sentido de coibir esse desrespeito à vida daqueles que erguem o país.
ResponderExcluirIndignação que expressa sentimento dos mais legítimos.