O que aprendemos com a tragédia da mina San José?

*María Ester Feres
A terrível tragédia vivida pelos trabalhadores da mina San José fora prenunciada e denunciada persistentemente pelo sindicato da empresa e pela Confederação Mineira do Chile, mas as autoridades não deram ouvidos. Pior ainda: uma vez ocorrida a tragédia, as autoridades, com desculpas burocráticas, impediram a entrada dos dirigentes sindicais no acampamento, talvez para desqualificá-los diante do trabalho amplo e profissional dos meios de comunicação.
Sem dúvida, essa atitude vem de um modelo que, apesar dos esforços, não foi modificado em sua essência. No âmbito econômico, este modelo percebe o trabalho como um mero recurso produtivo, equiparado a máquinas e equipamentos, apostando em sua regulação pelas leis do mercado, sem espaços nem papéis de democratização ou redistribuição para o ator sindical. No âmbito sociopolítico, representa a marca de uma ideologia individualizante que priva de todo significado a sociedade civil organizada. A visão antissindical das autoridades se manifesta mais uma vez na recente criação da Comissão Auxiliar Presidencial para a Segurança no Trabalho, a qual, entre outras falhas, não inclui os trabalhadores. Também causa estranheza o anúncio do governo, um dia depois, da criação de uma comissão paralela, mas relacionada apenas à mineração, garantindo-se assim a continuidade do cenário de fragmentação normativa e fiscalização estatal parcial e descoordenada que contribuiu para o acidente de trabalho na mina San José.
Vale lembrar que a garantia da vida e da segurança das pessoas não é dissociável da proteção da segurança e da saúde no trabalho. Como esta depende, entre outras variáveis, da organização do trabalho, da extensão e intensidade das jornadas, da estrutura e valor das remunerações, da precariedade contratual e das condições de trabalho, do respeito à liberdade sindical (reconhecimento efetivo dos sindicatos, da negociação coletiva e do direito à greve) etc, estamos diante de um problema de alta complexidade, que requer soluções integrais e vontades políticas explícitas.
As atuais regulações da relação capital-trabalho, ao lado da possibilidade de escandalosas margens de lucro empresarial, aumentam os riscos e geram um maior disciplinamento da força de trabalho, aprofundando sua subordinação ao poder empresarial. Daí a importância da qualidade das normas, de uma real garantia de cumprimento por parte dos distintos poderes do Estado, da legitimidade social destas, o que só se consegue quando são geradas com a participação ativa dos atores envolvidos, em particular dos trabalhadores, por meio de suas organizações etc.
Apesar das tentativas de reduzir o terrível drama dos trabalhadores da mina San José a um simples fenômeno de falta de segurança da pequena mineração, goste-se ou não, este se insere em uma problemática nacional, presente em todos os setores produtivos, resultante de uma estratégia dominante que privilegia o crescimento e a concentração econômicos em detrimento de outros valores de relevância social muito superior. Representa concepções ideológicas que nos negamos incompreensivelmente a esclarecer, debater e confrontar com outras que postulam a pessoa humana como sujeito e fim do desenvolvimento, devolvendo ao trabalho sua necessária centralidade social.
Normas sem efeito
Tal situação só se abala, e por pouco tempo, diante de grandes dramas sociais, como o de agora ou o acidente ocorrido em 2004 em uma construção, com um saldo de sete mortos e 15 feridos, decisivo na aprovação da lei de subcontratação. Por se tratar de um fato politicamente impossível de minimizar, o episódio facilitou a incorporação de algumas normas importantes sobre acidentes fatais e graves, com o objetivo de melhorar a função de inspeção e controle por parte do Ministério do Trabalho e também do setor de saúde; aumentar a responsabilidade dos consórcios; e reforçar a prevenção de riscos.
 O que aconteceu com estas normas? Pois bem, triunfou a estratégia de setores empresariais de deixar sem efeito grande parte de seus conteúdos, conseguindo, de passagem, consolidar uma absurda jurisprudência que nega à Direção do Trabalho a faculdade de qualificar ou não a existência do vínculo trabalhista, e portanto de definir quem está ou não protegido pelas normas do trabalho.
Enquanto adiarmos o debate de fundo, continuaremos a girar em falso, discutindo cada norma trabalhista em função de seus custos. E se algumas, por sua justeza, pressão social ou conveniência política, conseguirem superar tal exame, não importará muito, pois para isso existem os complexos e intrincados mecanismos de diversos tipos que possibilitam que muitas empresas, com impunidade, as esvaziem de conteúdo, condenando-as a uma total ineficácia.
Será possível realizar este debate sob um governo marcado pelo selo empresarial, por uma maior privatização de responsabilidades em áreas públicas tão relevantes como a saúde e a educação, e com uma declarada intenção de moderar a fiscalização trabalhista? Eis uma grande interrogação e um urgente desafio, já que dramas como o vivido hoje pelos mineiros de Atacama não deveriam jamais se repetir.
 *María Ester Feres é ex-diretora do Trabalho do Chile (1994-2004) e atual diretora do Centro de Relações Trabalhistas da Faculdade de Economia da Universidade Central. Artigo originalmente publicado pelo jornal chileno El Mostrador. 

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